terça-feira, 30 de março de 2010

Pimpolhos sem fronteiras

Num feriado desses, estávamos em Campos do Jordão com um grupo de amigos, todos em família, todos com crianças entre 3 e 6 anos. Cinco pequenos meliantes, portando pilhas Duracell recarregáveis.

Mas a gangue estava desfalcada de duas irmãs, melhores amigas destes 5, que estavam em Santiago (do Chile, não do Paulo Coelho), terra natal de seu painho.
Pelas tantas, toca meu celular. Vejo que é uma chamada Skype, vinda, justamente, dos amigos en Chile. Com direito a vídeo e tudo, o que era uma novidade no aplicativo que uso no meu velho smartphone.
Quando atendi a chamada, o programinha já habilitou, automaticamente, a câmera frontal do meu aparelho. Até então, esta camerazinha de baixa resulução só tinha sido usada, esporadicamente, para testar as vídeo-chamadas pela operadora telefônica (caaaaro!!!) e, com maior frequência, pela minha filha mais velha, que na falta de espelho, a aciona para pentear o cabelo ou passar batom.
Na minha telinha, vejo a carinha e os cabelinhos cacheados da moçoila que, assim como uma das espécimes que tenho em casa, ainda está criando fluência para ler e escrever, mas tem no computador um equipamento tão simples de operar quanto a TV da sala.
Com a imagem, vem a vozinha: "Oooiii tioo!
Todos que estavam por perto queriam entender por que raios o maluco estaria acenando para o próprio celular. Os adultos porque era uma cena bizarra. As crianças, porque tinham reconhecido a voz da amiga.
Os pequenos perceberam imediatamente o que estava acontecendo. A amiga estava ligando da casa da avó. Entreguei o aparelho para que eles pudessem falar com a amiga, vê-la e serem vistos. E o aparelhinho passou de mão em mão por vários minutos, tempo muito bem usado para contarem, de parte a parte, suas traquinagens de viagem, mostrarem o que estavam fazendo naquele momento e o que estavam comendo.
Os pais... bem... Para alguns, bastou uma explicação simplificada, de que aquilo era uma chamada Skype usando a câmera frontal do celular como se fosse a webcam de sua casa. Outros, embora nunca tenham admitido, pensaram em me amarrar a uma estaca e atear fogo a este infiel que estaria manipulando forças ocultas contra suas crianças. Um chegou a lembrar da cena de Poltergeist em que a menina era tragada pela TV.
Finda a ligação, as crianças voltaram exatamente ao ponto onde haviam pausado abrincadeira.
Os pais ainda tinham dúvidas:
"Quer dizer que eles estão no Chile, falando com a gente em Campos... E com vídeo ainda por cima... Sorte sua eles terem ligado de lá, porque essa ligação deve ter custado uma fortuna".
"Não, pessoal. Foi de graça. Ninguém pagou nada. Pra isso vocês pagam uma mensalidade de internet banda larga".
"Mas serve também pra ligar pra celular?"
"Não, pessoal. Não é bem assim. Eles ligaram para o meu Skype, usando o Skype lá também. E o Skype estava ativo no meu celular, do mesmo jeito que estaria ativo no meu computador em casa ou no escritório".
"Pena que no celular a câmera fica na frente. Então eles não podiam nos ver aqui."
"Não, pessoal. Alguns aparelhos tem essa camerazinha meia-boca aqui na frente, justamente pra fazer uma imagem mais leve, boa para essas vídeo-conferências. Como uma webcam doméstica. Eles nos viam aqui exatamente como nós os víamos lá".
Silêncio sepulcral. Dava pra ouvir as fichas caindo.
Já a visão das crianças era simples e objetiva. A amiga ligou no celular do pai. Não interessa por que meios. Elas conversaram e foi o que importou.
E acho que em pouco tempo essa mesma simplicidade deverá ser permitida aos adultos. Dá para perceber que essas pequenas trackitanas incorporam, todos os dias, mais recursos e empacotados de forma mais amigável, para que mais pessoas tenham acesso.
Esse mundo ainda não é ideal porque os aparelhos que incorporam os melhores recursos não são os mais amigáveis para os leigos no assunto. E os mais amigáveis, definitivamente, não incorporam os melhores recursos.
Mas partindo do princípio ridiculamente simples de que os presidentes da Apple, da Nokia, da Google, da Sony e da Motorola são mais espertos que eu (se não individualmente, pelo menos todos juntos) e eu já percebi que o caminho para a proliferação destes produtos e serviços está no equilíbrio entre recursos e amigabilidade, eles também não devem demorar a ter a ficha caindo.
E aí sim, todos poderemos agir como crianças.

:D