quarta-feira, 29 de junho de 2011

O Elo Perdido

Pode parecer estranho, mas analisando todo o furor causado ultimamente pela tal computação móvel, tenho uma sensação de déjà vu. Viajo vinte-e-tantos anos, até o início da minha carreira em tecnologia da informação, quando o mundo ainda era dominado pelos dinossauros da espécie main-frame e começavam a surgir espécies menores, mais ágeis e aparentemente mais inteligentes, que se adaptavam mais rapidamente às condições impostas pelo meio ambiente.

Os computadores pessoais passavam a ser elementos determinantes na mudança dos ecossistemas corporativos, muito antes de se tornarem verdadeiramente pessoais.

Para viver, os dinossauros consumiam exagerados recursos e eram de difícil convívio. Aproximar-se deles demandava anos e anos de estudo e conhecimento.

Enquanto isso, novas espécies se desenvolviam vegetativamente, aproximando-se cada vez mais dos preteridos. Até que juntos passaram a dominar a terra, fortalecidos pela onipresente Grande Rede Mundial.
É verdade que esse novo domínio criou uma série de novos problemas, como em qualquer sistema evolutivo, mas a seleção natural cumpriu bem o seu papel até cumprir-se a profecia de que estes bichinhos estariam presentes em todos dos lares do planeta, formando uma simbiose irreversível com a raça humana. Ou quase isso.

Já neste século, ainda sob as bênçãos da Grande Rede, estes seres sofreram mais uma série de mutações miniaturizantes e enxertaram uma outra espécie, que até então tinha sua existência restrita aos atos de falar e ouvir, dando origem aos mais fantásticos transgênicos, que receberam o nome vulgar de smartphones.

Até pouquíssimo tempo atrás, não havia engenheiro, tecnólogo ou paleontólogo capaz de supor que a evolução nos traria a este ponto. Muito menos com esta velocidade. Os elementos todos se fundiram de tal maneira que, sem perceber, passamos a utilizar recursos novíssimos em arquiteturas que nos remetem de volta aos velhos dinossauros, agora devidamente adaptados ao ecossistema do século XXI, metamorfoseados em Cloud Computing, virando até brincadeira de criança. Literalmente.

E aí a casa caiu.

As pessoas passaram a perceber que não precisavam de computadores. Precisavam, sim, de aplicativos, que não habitariam necessariamente seus computadores. Ou você conhece alguém que tenha o Google no seu computador? Twitter? Facebook? SalesForce? Home-bank? Home-broker? Supermercado delivery?
É justo ponderar que o computador deva conter meios mais amigáveis e melhor adaptados para dar acesso a estes recursos. Realmente não é agradável editar documentos e planilhas diretamente no Google Docs ou enviar e-mails diretamente pelo browser, considerando que estas ações demandariam uma conexão à internet em tempo integral, o que (ainda) não é lá muito viável. É claro que existem exceções, mas estas atividades já não exigem mais tantos recursos dos computadores, que encolheram e emagreceram, no sentido oposto da trajetória que vinham traçando e, principalmente, consolidou a ideia de que o ecossistema é determinante, muito mais do que cada elemento que o compõe, individualmente.

E assim, enquanto as vendas de computadores pessoais caem com uma aceleração maior que a da gravidade, smartphones e tablets (seus irmãos maiores, embora mais novos), seguem impávidos no caminho para dominar o mundo. Mas jamais chegariam perto deste êxito se não fizessem parte de um ecossistema que os torna, de fato, poderosos.

Há anos a Nokia já entendia isso e liderou o mercado de smartphones amparada por uma infinidade de aplicativos desenvolvidos por centenas (ou milhares?) de empresas que ela incentivou pesadamente e deu acesso praticamente irrestrito aos usuários através das sua Ovi Store.

Antes disso, a própria Apple teve uma lição importante. O iPod não teve lá grande sucesso no seu lançamento, pois não era muito mais do que um tocador de música digital mais bonitinho que os outros tantos que já estavam por aí. Mas virou um sucesso estrondoso (e duradouro) depois do lançamento do iTunes, que revolucionou a forma de alimentar os dispositivos.

De lá pra cá, a prática que era diferencial virou necessidade básica e não há fabricante de smatphone e/ou tablet que não dê a devida atenção à sua app store ou market place, ciente de que dispositivo sem aplicativo não é nada. E se empenham em agregar mais serviços aos seus ecossistemas para se distinguirem da concorrência, fazendo-se cada vez mais presentes nas nossas vidinhas.

Hoje uso o computador muito menos do que há 1 ano. E há 1 ano já usava menos do que há 2. Vou tranquilo e bem equipado a qualquer reunião de trabalho levando apenas o smartphone no bolso. No máximo levo um tablet para escrever com mais conforto e facilitar a visualização de elementos gráficos. Com qualquer um dos dois e um adaptador que cabe no bolso da calça posso fazer apresentações e palestras para centenas de pessoas. Até o netbook perdeu o hábito de sair de casa.

Propostas, documentos de processos e mesmo materiais promocionais estão sempre à mão, armazenados nos dispositivos ou acessíveis pela internet, podem ser exibidos a qualquer momento com grande clareza e são facilmente compartilhados com os interessados. As impressoras perderam muito de sua importância.

Com a ascensão econômica e a redução de preços pelo aumento de escala comercial dos equipamentos, é certo que estes brinquedinhos vão mudar ainda mais as nossas rotinas em questões aparentemente banais, como a forma de fazermos compras e pagarmos nossas contas.

Mas isso é assunto extenso e merece outro post.

:D